Sob pressão, governo cubano recua e congela demissões



 Foto: Ricardo Galhardo
AManuela no café que abriu no bairro Vedado, em Havana
Pressionado por ameaças de greves e pela possibilidade de desemprego em massa,
o governo cubano foi obrigado a recuar e congelou o plano de demissões anunciado
em setembro do ano passado como primeiro passo de um forte programa de
ajuste econômico.
A idéia inicial era demitir entre 1 milhão e 1,5 milhão de trabalhadores. Isso
representa cerca de 10% de toda a população da ilha e quase 20% da população
economicamente ativa. Quando o ditador Fulgencio Batista foi derrubado pela
revolução castrista, em 1959, o índice de desemprego na ilha era de 16% entre a
população economicamente ativa.
Com as demissões o governo esperava diminuir o déficit fiscal e aumentar a
eficiência das empresas estatais, hoje prejudicadas pela obrigatoriedade de
absorver quase toda a mão-de-obra da ilha.
Estes trabalhadores seriam realocados em outros setores da economia local
ou poderiam se aproveitar da autorização, também aplicada do ano passado,
para abrirem seus próprios negócios.
Segundo fontes próximas ao governo, o plano de demissões foi congelado e “
apenas” alguns milhares chegaram a ser efetivamente dispensados. Embora
não haja confirmação oficial, circulam rumores de que no oriente
predominantemente rural grupos de trabalhadores teriam ameaçado
entrar em greve (o que é proibido na ilha) caso as dispensas fossem
levadas a cabo.
Outra explicação para o congelamento é o descumprimento das normas
fixadas pelo próprio governo para as demissões. Segundo o regulamento,
cada empresa deveria fazer um levantamento detalhado de suas plantas
e número de trabalhadores e uma lista de demissões cujo critério principal
é a idoneidade e não a produtividade. Estas listas seriam submetidas a
comitês ligados a Ministério do Trabalho, que daria a última palavra.
Segundo relatos, alguns administradores iniciaram o processo de
enxugamento por conta própria, escolhendo pessoalmente os nomes
dos demitidos, em alguns casos utilizando critérios políticos.
Outro motivo para o congelamento das demissões seria a dificuldade
para absorção da mão-de-obra.
'Contaproprismo'
A liberação do trabalho autônomo já está mudando a paisagem de Havana.
Segundo o governo, desde o anúncio da medida, em setembro do ano passado,
200 mil trabalhadores já abriram seus próprios negócios, dobrando o número
de pessoas que não trabalham para o governo na ilha. O novo empreendedorismo
cubano gerou até um neologismo, o "contaproprismo", e é uma febre na capital
do país.
Os novos empreendimentos vão desde pequenos cafés e oficinas improvisados
nas garagens até restaurantes sofisticados, voltados para os turistas, a nova
versão dos paladares surgidos nos anos 90. O nome é inspirado no restaurante
da personagem de Regina Duarte na novela “Vale Tudo” (1989), um grande
sucesso na TV cubana.
Manuela, de 52 anos, caminhava rumo à aposentadoria quando decidiu aproveitar
a brecha aberta pelo governo e com a ajuda da filha, Olivia, 30, abriu um café na
garagem de casa, no bairro Vedado.
O investimento foi mínimo. Uma tábua faz as vezes de balcão e um biombo de
treliças protege a área onde as refeições são preparadas em um pequeno fogareiro.
Seu público alvo são os cubanos que trabalham por ali e moram longe. Ela ganha
em média US$ 8 por dia vendendo café e pratos feitos. O valor representa a metade
do salário mensal que recebia trabalhando na cozinha de um hotel.
“Não tenho do que reclamar. Hoje eu e minha família comemos melhor, nos
vestimos melhor e tenho até um dinheirinho guardado”, disse Manuela.

Entenda a reforma econômica em Cuba

Saiba mais sobre as mudanças adotadas pelo regime cubano e suas consequências na vida da população

iG São Paulo | 20/04/2011 14:54
Cuba está desvalorizando em cerca de 8% a sua moeda paralela, o peso conversível, utilizada principalmente por turistas e por companhias estrangeiras, como parte dos esforços para reavivar a sua economia.
A moeda agora passa a ter paridade com o dólar, mas seguirá valendo 24 pesos convencionais. O peso segue sendo a moeda de fato de Cuba e é a moeda usada para pagar os salários dos cubanos, ainda que muitos moradores já façam inúmeras transações em pesos conversíveis, dentro do sistema do país que utiliza simultaneamente as duas moedas.
A desvalorização, que é a primeira mudança no sistema de câmbio do país em seis anos, chega no momento em que o governo de Cuba está adotando medidas para reduzir o papel do Estado na economia e estimulando a iniciativa privada.
Em setembro do ano passado, foi anunciado que 1 milhão de funcionários públicos do país perderiam seus cargos, mas agora acredita-se que as demissões não ocorrerão tão rapidamente quanto se esperava de início.
Saiba mais sobre a reforma econômica em Cuba:
Que diferença fará a desvalorização da moeda?
Cuba ficará mais barata para os turistas, que representam uma importante fonte de renda para o país.
O peso conversível começou a circular em 1994 e foi atrelado ao dólar até 2005, quando seu valor foi ampliado para U$ 1,08. Nessa época, Cuba já havia proibido transações comerciais feitas em dólares, como reação ao endurecimento das sanções americanas.
A medida recém-anunciada traz o peso conversível de volta à sua taxa de câmbio original, mas tanto cubanos quanto turistas terão de seguir pagando uma comissão de 10% par transações feitas com a moeda.
Por que o governo sente que mudanças são necessárias?
Porque ele simplesmente não tem mais como arcar com o sistema antigo. A revolução cubana sempre foi financiada por alguma potência externa e o dinheiro internacional agora não está mais entrando.
Durante a Guerra Fria, foi a União Soviética que ofereceu petróleo barato para a ilha em troca de açúcar cubano, bem como créditos e empréstimos. Estima-se que Cuba ainda deva um total de US$ 20 bilhões ao que hoje em dia é a Rússia, por conta das benesses oferecidas na era soviética.
Após o colapso da União Soviética, em 1991, o então presidente Fidel Castro decretou um ''período especial'' de austeridade e permitiu uma modesta expansão de negócios individuais, como restaurantes e fazendas. No entanto, o controle estatal voltou a endurecer quando a China e a Venezuela se tornaram os novos benfeitores de Cuba.
Agora, Cuba voltou a estar sujeita às vontades dos dois países e os chineses estão pressionando o sucessor de Fidel Castro, seu irmão Raúl, a seguir seu caminho de reformas econômicas.
Quais deverão ser as principais consequências das mudanças?
Se os cortes planejados forem adiante, um em cada cinco trabalhadores do país não será mais funcionário do governo. No momento, o governo emprega cerca de 85% da força de trabalho que atua no país.
Muitos seguirão fazendo o que fazem atualmente, mas o Estado não será mais o seu empregador. Motoristas de táxi, cabeleireiros e os envolvidos em atividades menores, por exemplo, passarão a ser autônomos e ganharão seu próprio sustento, em vez de depender do Estado. Outros serão estimulados a montar seus próprios negócios ou mudar de emprego.
Os cubanos também poderão alugar quartos para turistas, trabalhar como jardineiros autônomos, passar roupas ou atuar como engraxates. Eles poderão até mesmo empregar outros cubanos que não sejam seus parentes, algo que havia sido proibido desde a Revolução.
Raúl Castro disse que o objetivo é reduzir a folha de pagamento do governo, mas afirmou também que ''ninguém será abandonado ao relento''.
Que outras mudanças estão sendo adotadas?
O sistema inteiro passará a ser menos paternalista do que no passado. Subsídios que mantinham artificialmente baixos os preços de produtos alimentícios básicos, como açúcar e arroz, estão sendo retirados.
Toda a caderneta de racionamento, que fornecia a cubanos o mínimo garantido de produtos básicos a preços baixos desde o embargo americano de 1962, deverá ser gradualmente eliminada.
Ao mesmo tempo, os novos recém-empregados serão sujeitos ao imposto de renda, que irá de 25% para os que ganham mais de 5 mil pesos (o equivalente a US$ 225, ou cerca de R$ 356) ao ano para 50%, para aqueles que faturam mais de 50 mil pesos anuais.
Isso representa o fim do socialismo em Cuba?
Não. Desde que Fidel deixou de comandar o país, em fevereiro de 2008, analistas vinham prevendo que Raúl Castro iria introduzir reformas mais profundas.
Mas, ao que parece, elas não irão além de um certo ponto. O presidente descartou mudanças estruturais radicais e quer que o Estado mantenha o seu papel de principal planejador econômico do país – embora, na prática, alguns poderes deixem de estar nas mãos do governo.
Os cubanos não podem mais esperar o mesmo nível de auxílio que dura a vida toda e terão de se tornar mais autosuficientes, mas o país vai permanecer vivendo sob um regime de partido único.
De fato, a própria data de realização do congresso mostra o quanto a Revolução Cubana é, na maneira de pensar de Raúl Castro, um tema central na vida do país. O encontro do partido teve início no dia em que completou-se 50 anos da batalha da Baía dos Porcos, evento emblemático na história do país, quando exilados cubanos apoiados pelos Estados Unidos foram derrotados em uma tentativa de invadir a ilha e derrubar o regime comunista em vigor no país.
Com BBC
 http://extras.ig.com.br/infograficos/historiadecuba/




Foto: AFP
Mulher vende comida em sua casa em Caimito, Cuba (15/04)


vídeo do youtube 19/04/2011